O BIOGÁS DO AGRONEGÓCIO: TRANSFORMANDO O PASSIVO AMBIENTAL EM ATIVO ENERGÉTICO E AUMENTANDO A COMPETITIVIDADE DO SETOR
Rodrigo Regis
de Almeida Galvão **
*Boletim de
conjuntura de setor energético – FGV – março de 2017
No ano de 2016 a balança
comercial do Brasil foi positiva graças ao agronegócio, que representou algo
em torno de 25% do PIB e 50% das exportações. Apesar da economia brasileira
ter estagnado, esse setor continuou crescendo. Entretanto, para que o
agronegócio brasileiro mantenha os resultados positivos e se torne o maior
exportador de proteína animal do mundo, dois fatores são fundamentais: a
segurança energética e a segurança ambiental. Para que esse setor mantenha
tal ritmo de desenvolvimento, faz-se necessário investir em novas alternativas
que garantam qualidade e disponibilidade firme de energia.
A destinação correta dos
dejetos e resíduos agroindustriais também precisam estar contemplados na
agenda do desenvolvimento sustentável do agronegócio. É preciso inovar e
pensar em soluções sistêmicas que contemplem energia, alimento e meio
ambiente.
A busca por inovação não é
novidade. Desde a primeira revolução industrial a procura pelo aumento da
produtividade é contínua e essa busca crescente demanda cada vez mais a
geração de energia, já que é o principal vetor que impulsiona o
desenvolvimento. Nos dias atuais, além de ter que aumentar a oferta de energia
em 50% a cada 20 anos, a conscientização coletiva com foco no respeito às
pessoas e ao meio ambiente vem impondo a busca por soluções energéticas
sustentáveis direcionadas ao bem-estar comum.
Com o acordo celebrado na COP
21 em Paris, os países se comprometeram a reduzir os gases de efeito estufa
(GEE). Nesse acordo, o Brasil se comprometeu a reduzir, até 2025, as emissões
de GEE em 37% em relação aos níveis de 2005. Como contribuição indicativa
subsequente, comprometeu-se a em reduzir, até 2030, as emissões em 43% na
mesma base comparativa.
O impasse se manifesta no
seguinte ponto: segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), dois setores
respondem pelas maiores parcelas das emissões de Gases de Efeito Estufa: o
energético e o agropecuário (37% cada um).
Portanto, estamos diante de um
desafio: como garantir que o Brasil atinja seus compromissos ambientais,
provendo energia de qualidade e firme sem impactar a competitividade do
agronegócio?
Temos certeza de que se o
século XX foi dos combustíveis fósseis, o XXI se anuncia como o das Energias
Renováveis. Estima-se um crescimento anual em torno de 20% até alcançar uma
participação de 19% na matriz mundial em 2030. O Brasil já possui uma matriz
renovável, no entanto nota-se uma crescente preocupação devida à redução
da capacidade da oferta hídrica ao longo do ano. Portanto, é preciso mais do
que diversificar o parque gerador nacional, é preciso inovar o setor
elétrico. Em nosso país, as forças externas do mercado conduzem a uma
transição também nos modelos de negócio, que vão gerar inovações
tecnológicas.
Pode-se dizer que as grandes
ondas de transformação do setor elétrico brasileiro ocorreram em três
etapas. A primeira onda foi composta pelos “sistemas isolados”, com a geração
sendo realizada por pequenas usinas. A segunda é identificada como a dos
“sistemas interligados”, a geração passou a ser feita por grandes usinas
centralizadas, suportada por redes de transmissão nacionais. A expansão da
rede de distribuição e o maior número de interligações possibilitaram o
processo de universalização da energia. A terceira e mais recente é a onda
dos “sistemas distribuídos e conectados”, que está definindo um novo ambiente
de negócios. Essa onda é caracterizada por uma geração mais diversificada e
pelo desenvolvimento de tecnologias. Do ponto de vista do consumo, o novo
ambiente de negócios contará com a presença de um novo perfil de consumidor,
que deixa de ser passivo e se transforma em ativo, com mais poder e
participação, sendo, também, um produtor de energia.
Diante dessa realidade, uma
nova alternativa energética aparece para o agronegócio: o Biogás. O Biogás
é oriundo da degradação da matéria orgânica em ambientes anaeróbicos. É
a única energia renovável que transforma um passivo ambiental em ativo
energético com valor econômico. Figurativamente, transforma-se cocô de
galinha em dinheiro. Esse gás verde, que possui em média 60% de metano, pode
ser usado para geração de energia elétrica, térmica e veicular. A
Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás) considera que o potencial
nacional de biogás é de 80 bilhões de metros cúbicos de biometano. Esse
volume seria capaz de suprir 24% de toda a demanda de energia elétrica do
Brasil: portanto, mais do que a Itaipu!
Essa nova fonte renovável vem
se consolidando no Brasil principalmente pela versatilidade de aplicações. No
ano de 2016 o setor cresceu 30%. A tendência é de continuar crescendo a
passos largos pelos próximos anos, sobretudo após a consolidação da
geração distribuída e do reconhecimento pela ANP (Agência Nacional do
Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) através da resolução no 08/2015.
Desta feita, a regulamentação de tal energia pela ANP fez do Biometano um
produto comercializável. Outro importante passo foi a resolução normativa 687
da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), que aprimorou as
possibilidades de uso do Sistema de Compensação de Energia Elétrica.
Mais uma notícia animadora. O
Biogás, esse imenso potencial energético, acaba de ganhar um novo aliado em
2017: o programa RenovaBio, lançado pelo Governo Federal. O objetivo é dar
competitividade aos processos de produção, comercialização e uso de
biocombustíveis, com estímulo à concorrência entre estes e os combustíveis
fósseis.
Em 2016 pela primeira vez, um
projeto em larga escala de biogás venceu um leilão A-5 de energia, tendo sido
negociado 20,8MW. Ainda em 2016 teve início, em uma granja de aves poedeiras
no município de Santa Helena no oeste do Paraná, o projeto híbrido de
produção de biogás com aplicação de geração de energia em GD e
produção de biometano. Pode-se dizer que tal granja se tornou primeira
fazenda sustentável do Brasil, onde a eletricidade e o combustível são
produzidos pelo biogás por ela mesma produzida. Além disso, o biofertilizante
de sua lavoura é produzido a partir do processo de biodigestão.
A lei da conservação,
enunciada por Lavoisier, não poderia ser melhor ilustrada: do dejeto, nada se
perde, tudo se transforma. No caso, pelo menos os efeitos deletérios são
afastados pelo incremento da renda e do impulso da economia, que nesta
equação verde se manifestam como energia e biofertilizante.
Em um cenário cada vez mais
favorável, a expectativa é que o Biogás conquiste mais espaço no setor energético,
tanto na energia elétrica nas grandes gerações e na geração distribuída,
quanto no setor de biocombustíveis com a expansão do uso do biometano. O uso
do biogás é uma alternativa com capacidade de integrar a segurança
energética e ambiental tão necessárias para garantir o crescimento e a
competitividade do agronegócio brasileiro e viabilizar a segurança alimentar
no mundo, encerrando um ciclo completo que gera mais do que energia, gera
sustentabilidade e desenvolvimento.
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